Lançada pela Netflix agora no início de 2025, a minissérie Adolescência, dirigida por Philip Barantini e criada por Stephan Graham, que interpreta, primorosamente, o pai do garoto, é dividida em quatro episódios. A produção surpreende por sua densidade narrativa e por seu rigor formal ao retratar com sensibilidade a fase que dá título a ela, um território de instabilidade, volatilidade, múltiplas transformações significativas e dificuldade de comunicação. Em um catálogo de baixa qualidade, Adolescência se destaca como uma grata surpresa, muito acima da média.
Em tempos de discursos saturados e pré-estabelecidos sobre esse período da vida, a minissérie se destaca ao criar um espaço de ação, mas sobretudo de observação, de escuta, que nos alenta (o menino está sendo tratado com zêlo pela polícia quando é preso por suspeita de assassinato), enquanto também nos desconforta.
Adolescência se recusa a chocar através da espetacularização da violência gráfica e evita o moralismo quanto a suposta rebeldia juvenil. O que a minissérie propõe é algo mais radical: olhar o sujeito adolescente em sua complexidade e fragilidade, acolher sua linguagem truncada, sua vergonha e despreparo, sua fúria e sua perplexidade diante de um mundo que o atravessa sem piedade. Tudo isso potencializado pelos hormônios que explodem perto dos 14 anos
No plano formal, Adolescência opta por uma estética original. O ritmo narrativo é deliberadamente alternado entre o movimento e a lentidão: planos longos, sem cortes (o que chamamos de plano-sequência), diálogos desencontrados e rarefeitos.
Diferentemente de tantas obras voltadas ao público jovem que mimetizam a velocidade das redes sociais, Adolescência opta por outro caminho. O tempo aqui é sobretudo interno e processual, ocorre em minúcias, etapa por etapa. As escolhas cinematográficas intensificam esse sentimento: corredores escolares que se tornam labirintos, espelhos que duplicam e fragmentam rostos, janelas que separam mais do que revelam. A atmosfera é de suspensão — e a adolescência, nesse contexto, é tratada como uma espécie de mistério e purgatório, onde tudo ainda está por ser determinado.
Do ponto de vista psicanalítico, a adolescência é como um estado intermediário, um dos momentos mais críticos da constituição subjetiva. Trata-se de uma fase em que o sujeito se vê diante da perda da infância, sem ainda ter se inserido no universo simbólico da vida adulta. A minissérie encena com precisão essa fratura. Os personagens vivem entre o colapso da infância e a ameaça da vida adulta. Destaque seja dado para o estreante Owen Cooper, sem o qual a produção não teria o mesmo impacto.
Há na adolescência uma oscilação constante entre regressão e antecipação, entre desejo de desaparecer e desejo de afirmar-se. A linguagem que se tem à disposição é, muitas vezes, insuficiente para dar conta do que sentem — e é nesse vazio que surgem o silêncio, o colapso, a dor que não se sabe nomear e que não parece possível de ser compreendida. Mesmo os adolescentes mais alegres ou menos angustiados não escapam de viver momentos assim.
Nesse contexto, o conceito de “confusão de línguas”, proposto pelo psicanalista Sándor Ferenczi, ajuda a compreender as falhas de escuta entre adultos e adolescentes. Ferenczi mostra como o trauma pode ocorrer quando o que uma criança expressa em linguagem de ternura é interpretado pelo adulto como linguagem de paixão ou poder.. Essa lacuna se repete na adolescência: os jovens gritam por ajuda com códigos que os adultos não decifram, ou não querem escutar, como acontece com os emojis de Instagram na série que o policial a princípio interpreta de uma forma e precisa da ajuda do filho adolescente, com quem tem uma relação conturbada, para melhor compreender. Isso muda todo caminho da investigação.
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Esse é um trecho do ensaio que escrevi sobre a minissérie para a revista Marie Claire. Para ler o texto na íntegra, basta clicar aqui.
Parabéns pelo texto !
Um de nossos colunistas fez uma análise política sobre a série. Compartilho, caso queira conferir: https://substack.com/home/post/p-160643421?source=queue
Abraços
Uma série incrível e perturbadora.
Como mãe de adolescente, não vou negar que bateu muito forte. É uma fase difícil pra caramba.